terça-feira, 19 de maio de 2009



Recentemente, na novela da rede Globo, Chocolate com Pimenta, vimos uma família rural nos anos 30 ou 40, retratada de modo caricato, ridículo, principalmente encarnada no ator que fazia a personagem Timóteo. Com certeza, uma maneira Jeca que não temos nenhum orgulho de exibir. Esta maneira de mostrar o mundo rural e a ruralidade, marca o Rural como tosco, rude e meio ridículo no andar, no linguajar e no modo de viver. Daquele jeito, ninguém quer para si e seus filhos tal identificação.

Sem dúvida há traços marcantes na vida rural, e que merecem ser tratada de outra forma, como a resistência do nordestino em viver no ambiente hostil da caatinga, os burareiros (pequenos produtores) na região cacaueira, que produzem juntamente com o cacau alimentos que abastecem feiras e mercados locais, onde já vimos retratada tal forma de viver?!

Pois bem, este toque preliminar foi apenas para afirmar a existência de uma representação social negativa do rural, embora entendemos hoje que o Rural e o Urbano são espaços cada vez mais próximos, onde normalmente os valores e modo de vida urbano sobrepõem ao rural.

De acordo com Lamarche (1993), a agricultura familiar, erroneamente, esteve sempre associada à pobreza no meio rural e a ineficiência no uso dos fatores produtivos, o que não corresponde à verdade, pois esta modalidade de produção agrícola, na maioria das vezes, é extremamente eficiente na combinação de seus fatores produtivos. Apesar de não possuir renda elevada, em razão dos limites físicos de suas áreas (em geral pequenas), da baixa escolaridade e ausência de poupança mínima.

Não podemos deixar de assinalar as dificuldades que a agricultura familiar enfrenta: menores indicadores de escolaridade, dificuldade de acesso á energia elétrica e aos meios de comunicação, descompensada forma de acesso a terra, falta de investimentos em infra-estrutura no meio rural. Embora, a agricultura familiar seja responsável por 70% da produção de alimentos, é base de 90% dos municípios brasileiros, responde por 35% do PIB nacional, abrigando 40% da população economicamente ativa, mantendo emprego de milhões de brasileiros (ROSA COUTO, 1999).

Ademais, o inchaço populacional das periferias urbanas e a favelização das metrópoles são oriundas do êxodo rural nos anos 70 e 80, produtos, também, do descrédito na agricultura familiar, conseqüências do modelo de desenvolvimento concentrador da terra e da renda no Brasil. Demostra claramente que muitas vezes viver na cidade, não é uma condição suficiente e necessária para galgar uma boa qualidade de vida.

A forma de pensar dominante normalmente caracterizou o agricultor familiar como atrasado, resistente à modernização, que necessitava de ser convencida da adoção de modernas técnicas agronômicas de produção. Tal modo de pensar resultou na maior concentração da renda e da riqueza, este processo no âmbito da agricultura foi denominado Revolução Verde, que estava amparado no produtivismo, na produção em escala, em uma cultura alvo (monocultivo), na adubação química, no uso dos agrotóxicos e tratores com crédito vinculado, ou seja, em torno de 20% do crédito era para aquisição de insumos modernos.

Nesta concepção reducionista da agricultura, o solo era encarado como substrato para crescimento das plantas cultivas, em faltando determinados elementos, era só disponibilizá-los via adubação química, que o problema estaria resolvido. As plantas espontâneas, chamadas de ervas daninhas e os insetos, pragas que deveriam ser combatidos por produtos químicos cada vez mais potentes em detrimento a outras formas de controle. Resultados econômicos e mercadológicos prevaleciam sobre sociais e ambientais. Este modelo excluía o conhecimento local, não serve ou servia aos reais interesses da agricultura familiar, que tem uma lógica própria, seja na ocupação dos membros da família, seja no policultivo das roças, para otimizar espaço e garantir segurança alimentar.

Nos dias atuais a “onda” é a sustentabilidade, ou melhor dizendo desenvolvimento sustentável, definida no Relatório de Brundtland (1987) como um desenvolvimento que atendesse às necessidades presentes e futuras, sem comprometer as necessidades das gerações futuras (SERAGELDIN,1993).

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Eng. Agr., Mestre em Ciências Agrárias, prof. Substituto da Escola de Agronomia da UFBA.

Nesse contexto, a agricultura é sustentável quando é ecologicamente equilibrada, economicamente viável, socialmente justa, culturalmente apropriada e orientada por um enfoque holístico (Tratado das ONGs/ECO 92). O mesmo documento acrescenta que a agricultura sustentável respeita a diversidade e independência, utiliza os conhecimentos da ciência moderna para desenvolver e não marginalizar o saber tradicional acumulado ao longo dos séculos por grandes contigentes de pequenos agricultores em todo o mundo.

Dessa forma, a agricultura familiar para Veiga (1995) é o locus mais indicado para a consolidação de um novo padrão de produção agrícola, já que as características desse novo padrão levarão a agricultura familiar a ser valorizada, dado que os insumos principais são os conhecimentos agroecológicos e a participação das comunidades e dos movimentos sociais organizados, que levarão a sociedade urbana a valorizar a agricultura familiar.

Não poderia deixar de destacar a capacidade inventiva e lógica de sobrevivência dos agricultores e agricultoras familiares. Nesta região temos o Sistema Cabruca como exemplo que combina produção de cacau com a mata atlântica; os Quintais Agroflorestais, que foi objeto de estudo de minha dissertação de mestrado na Universidade Federal da Bahia (CARVALHO, 2003), que são áreas em que agricultores familiares com espaço reduzido de cultivo e visando a segurança alimentar consorciam mais de 90 espécies diferentes, em 3 a 5 estratos diferentes, com uso de insumos externos mínimos (agricultura energeticamente eficiente), utilizando o método sucessional de espécies, poupando plantas nativas para uso posterior, copiando ambientes mais próximo de uma floresta, dando um exemplo de sustentabilidade na agricultura.

Assim sendo, agricultura familiar adquire uma força relevante, valorizá-la e ajudá-la a enfrentar suas dificuldades e realçar seu papel social, seus serviços ambientais é missão dos Governos, da Assistência Técnica e Extensão Rural, das Entidades de Crédito, das Instituições de Ensino e Pesquisa, das ONGs e das Organizações dos Trabalhadores em Agricultura promovendo formas realmente participativas, influindo nas políticas públicas para este setor no âmbito municipal, estadual e federal.

Com certeza, os agroecossistemas que incorporem idéias agroecológicas: a agricultura poupadora de insumos externos, que tenha balanço energético positivo, policultivo, que promova manutenção da matéria orgânica nos solos, que evita a erosão genética dos cultivos e dos solos, preserva empregos e produza alimentos em quantidade e qualidade será a grande esperança de desenvolvimento sustentável no meio rural. E pensando assim a agricultura familiar valorizada e fortalecida assume um status revigorado e capaz de mostrar à sociedade urbana que viver no campo pode ser sinônimo de qualidade de vida com sustentabilidade. Um outro mundo é possível.

Referências Bibliográficas

CARVALHO, A. J. A. Caracterização dos quintais agroflorestais na região de amargosa, 121f. Dissertação (Mestrado em Ciências Agrárias) – Universidade Federal da Bahia, Cruz das Almas, 2003.

LAMARCHE, H. A agricultura familiar. Campinas: UNICAMP, 1993. 336 p.

Rosa Couto, S.L. Agricultura familiar e desenvolvimento local sustentável. 37º Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural - SOBER, Foz dos Iguaçu, 1999.

SCHETTINO L. F. & Braga G. M., Agricultura e sustentabilidade. Vitória, Ed. do Autor, 2000. 83 p.

SERAGELDIN, I. Praticando o desenvolvimento sustentável. Finanças e Desenvolvimento, São Paulo, p. 7-10, 1993.

Tratado das ONGs. Eco/92. Santos, 1992.

VEIGA, J. E. Agricultura sustentável. Entrevista. Agricultura Sustentável, Jaguariúna, p. 5-10, 1995.

 

Aurélio José Antunes de Carvalho

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